segunda-feira, 4 de maio de 2015

PAGUE-SE A GUERRA COM A PAZ




“Ó doce e amado esposo,/ (…) Porque is aventurar ao mar iroso/
Essa vida que é minha e não é vossa?”
(Luís de Camões, in “os Lusíadas”, c. IV, 91)

Pague-se a guerra com a paz, porque é pela paz que o homem, de boa vontade, luta, chamando a si o único interesse de salvaguardar a espécie humana.
O homem não foi feito para levar a guerra contra seu semelhante. Não devia estar na sua massa de sangue jamais pegar em armas para destruir quem com ele devia comer à mesma mesa das mesmas iguarias, dos mesmos manjares.
Terminado que fora este banquete uma única luz resplandeceria no horizonte: a luz da concórdia e do melhor entendimento nunca sob a discórdia que pudesse levar a qualquer tipo de contenda.
Fugindo de todas as escaramuças e de todas as desordens, o homem merece que seja tomado como verdadeiro homem, dentro da melhor aceção da palavra enquanto se opõe aos deuses e aos seres irracionais. E não como um lobo, “homo homini lupus”.
O homem foi concebido para se entender mas não num entendimento egoísta ou solipsista, enquanto olha única e simplesmente para o seu umbigo.
Dizer “homo” é concebê-lo como tendo a razão a presidir a todos os relacionamentos e a comportar-se com toda a dignidade.
 “Si vis pacem, para bellum”, como dizia Cícero, traduzível numa tradução bastante livre: “Se não queres ser atacado, melhor será que prepares a tua própria defesa”.
Mas atenção, esta defesa obedece a uma capacidade de raciocínio, sabendo levar a água ao seu moinho, sem complicar o percurso do melhor entendimento.
O mesmo se poderia entender com esta máxima “quem quiser comover os outros, deve provocar primeiro em si a comoção, porque as lágrimas são contagiosas”.
Ora, aqui reside também o devido e único comportamento que assiste ao homem, saber encontrar a compreensão em todas as situações vitais para não entrar jamais em contenda.
Sabendo que o homem é o único ser à flor da terra que tem dificuldade em reconhecer a sua própria espécie, daí andar permanentemente às turras, mas por outro lado o único ser racional cuja capacidade é única para saber distinguir o trigo do joio, só lhe assiste a única alternativa: sentar-se frente a frente ao seu possível “inimigo” e tentar por todos os meios entrar em diálogo construtivo, antes que as palavras se acabem. E bom será que se pense que as palavras não estarão jamais gastas, antes terão dentro de si aquele miolo que dá sustentabilidade ao saber verdadeiramente estar em quaisquer situações que serão benéficas ao homem.
Posto isto e nestes termos, não há guerra alguma que mereça estar nos bastidores do escondimento para ser levada à ribalta.
É o menor dos condicionalismos, porque a condição única que assiste ao homem não é outra senão a de olhos nos olhos, sem ramelas a encobrir algum cenário que não seja suficientemente captável por quem tem à sua frente.
  Esgrimir argumentos de que há uma terra que já pertenceu a uma determinada classe humana e por circunstâncias e demasiados reveses acabou por passar para uma outra parte nada é justificável que se pretenda extorqui-la. Ou não terá sido extorquida a parte humana que dela era, deveras, merecedora e que, por inerência, a deverá, de novo, requerer?
Ao homem o que é do homem e de toda a raça humana. Reivindicar aquilo que pertenceu sempre à outra parte não passa de um simples roubo que levará a escaramuças sem tréguas, onde a lei do mais forte tome para si o direito estúpido de a açambarcar.
No homem não há o mais forte ou mais fraco. Há o verdadeiro homem que se gere por razões e por sentimentos. Fora desta dupla no seu comportamento não passa de uma ferocidade assoberbada. E que leva até aos extremos, que é a de lutar pelo simples ato trazer aquilo que sempre pertenceu à outra parte.
 Qualquer distúrbio a que alguém se agarre, não passa de uma animalidade, de uma irracionalidade cuja justificação é não ter justificação alguma.
Não há motivos de ordem alguma para o homem entrar em conflito com o homem. Antes, se motivos houvera o único a cumprir-se na senda do bom entendimento é o de cada um saber levar a água ao seu moinho para que este moinho funcione nas melhores condições, o que significa dizer que só uma levada de água se justifica: a água fresca de uma mente sã num corpo são cujo cumprimento não é outro senão o de saber dar-se as mãos para que o moinho de uma só pedra moa o melhor cereal e o produto final seja uma farinha que mitigue a fome de todo o único ser humano.
“Nosso amor, nosso vão contentamento,/Quereis que com as velas leva o vento?” (o .c.). Ou ainda: “Como, por um caminho duvidoso/Vos esquece a afeição tão doce nossa” (o. c.)?
Ora, aqui se tem como não é compreensível que se guerreie quem quer que seja, sabendo que uma das partes em litígio não sobreviverá e quem irá ficar a ser prejudicada é “afeição tão doce nossa”.
Dois exércitos em linha de batalha não são nem mais nem menos que pretender que uma das partes domine a outra sem olhar a meios, sabendo se estes meios não têm outro especial sentido que o da liquidação da parte que se ofereceu com menor capacidade de resposta.
“Porque de mi te vás, ó filho caro,/A fazer o funéreo enterramento/Onde sejas de peixe mantimento?” (o. c., 90).
 Se o “doce e amado esposo” se vai enterrar nesta aventura, também “ o filho caro” se vai acabar por se perder nesta guerra que só de estupidez poderá ser classificada.
Descubra-se a paz, porque para qualquer tipo de guerra não há a menor justificação.
O homem beligerante não foi concebido no seio materno. Foi-se fazendo à medida que foi chamando a si um pretenso direito de usurpação de terras que não lhe pertenciam mas que se julga poder reivindicar.
Magoa qualquer partida, mais ainda quando essa partida tem por objetivo único o de pegar em armas para liquidar quem oferece resistência.
Também a própria natureza inerte e sem sentimentos se condoía quando “De mais perto respondiam (os montes)/ Quase movidos de alta piedade” (o. c. 92).
Quer-se melhor argumento que o argumento desta natureza sem sentimentos aparentes e que os transforma em “alta piedade”, quando se apodera deste triste campo de batalha numa refrega sem vencidos e sem vencedores, mas com este campo inundado de sangue humano?
Volte-se à busca da paz verdadeiramente conciliadora, onde a única regra é a do aperto de mão com os olhos bem reluzentes sem veios de qualquer presença de sangue.
  
Torres Vedras,1 de maio de 2015

Drº Manuel Ponciano

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