Fig. 01 - Deslocamento no campo de batalha
Comemora-se a 28 de Julho, cem anos que se iniciou na
Europa um conflito terrível conhecido por Guerra Civil Europeia, que evoluiu
para Grande Guerra e que, mais tarde, ficou a ser conhecido por Primeira Guerra
Mundial, em oposição ao segundo grande conflito (1939-1945).
Vivia-se,
então, um período de paz entre os países europeus, também conhecido pela “Belle Époque”[1]. Embora
alguns falem em primeiro período de “guerra fria”. Mas eis que um acontecimento
fortuito, o assassínio em Sarajevo do Arquiduque Francisco Fernando, sobrinho
do Imperador Austro-húngaro - Francisco José -, em 28 de Junho de 1914, veio despoletar o confronto, entre várias
potências europeias[2], que só terminaria em 11
de Novembro de 1918, com a derrota da Alemanha e dos seus aliados.
Fig 02 - Cena do assassinato de Francisco Fernando
Fonte: Revista Veja, Agosto de 1914
Nos quatro
anos de guerra no espaço europeu e territórios ultramarinos - colónias das
potências europeias -, estiveram envolvidos mais de cinquenta milhões de combatentes,
tendo perdido nele a vida, ou por razões relacionadas com o conflito, cerca de
36 milhões de pessoas, das quais mais de nove milhões de soldados.
A Primeira Guerra Mundial deveu-se
a vários equívocos, muito desconhecimento e, quiçá, muita arrogância. Apesar
dos ensinamentos trazidos pela guerra civil americana (1861-1865) e pela guerra Russo/Japonesa (1904/1905), nos decisores
políticos e, em especial, nos chefes militares, prevalecia o pensamento
estratégico e táctico adquirido e posto em prática nas guerras napoleónicas.
Mas entretanto, o mundo tinha mudado muito e os desenvolvimentos tecnológicos a nível
do armamento tinham criado uma letalidade até aí nunca vista.
Além da
mortalidade e da destruição que o conflito provocou, quatro grandes impérios
desmoronaram-se, dando origem a um conjunto de novos estados. Os impérios
Alemão, Russo, Austro-Húngaro e Otomano, deixaram de existir.
Também
Portugal se viu envolvido neste conflito, primeiro com intervenções nas suas
colónias de Angola e Moçambique e, mais tarde, em 1916, no teatro europeu com o
envio de um Corpo Expedicionário para França para combater a Alemanha e o
Império Austro-húngaro. Além de sofrer as agruras da guerra de posição e da
luta de trincheiras viu-se, ainda, envolvido numa batalha – a batalha de La
Lys ocorrida na noite de 8 para 9 de Abril de 1918 -, onde sofreu uma das suas maiores
derrotas militares.
Fig. 03 - Sector Português após a batalha de La Lys
Fonte: Blog - A Caixa do Tempo
Portugal envolveu nos teatros de guerra africano e europeu cerca de
160.000 efectivos, sendo as consequências desta guerra tremendas, com milhares
de mortos, feridos e prisioneiros. A desorganização das Forças Armadas, o caos
politico e económico que se seguiu viriam a marcar o país, facilitando o surgimento de uma das ditaduras
mais longas da Europa, de 1926 a 1974.
Geralmente,
os povos têm tendência a omitir os factos históricos que menos lhe são favoráveis, reescrevendo a
história à medida do vencedor. No caso concreto da Primeira Guerra Mundial parece que nada
aconteceu. Tudo se passou há muito tempo. A memória do conflito são os registos escritos, ou as imagens que ficaram. Publicaram-se centenas de livros e fizeram-se
milhares de registos dos acontecimentos. Mas, tudo é impessoal. Aconteceu há
cem anos.
Hoje
sobrevivem os familiares dos intervenientes que, naquela época, eram jovens, ou duma geração que surgia e cuja memória dos acontecimentos é
vaga. Já ninguém recorda os milhares de estropiados que sobreviveram aquele
conflito, muitos vitimas dos gases lançados no campo de
batalha.
Muitos
portugueses – combatentes naquele conflito e que sobreviveram -, vaguearam
pelas ruas como “zombies”,
sobrevivendo em condições miseráveis. Sendo deste período a criação da Liga dos Combatentes, então com o nome de Liga dos Combatentes da Grande Guerra que
visava a defesa dos interesses dos combatentes, prestar ajuda aos inválidos de
guerra, às viúvas e aos órfãos.
Devemos evocar-se,
igualmente, pelo seu papel primordial, como local de apoio e “casa de abrigo” de muitos desses combatentes o Lar de Veteranos
Militares de Runa, hoje Centro de Apoio Social de Runa (CASRUNA). Aí foram
acolhidos, tratados, alimentados e viveram até ao fim dos seus dias, muitas
centenas de combatentes que puderam prolongar a sua vida graças ao apoio e ao
carinho que aí encontraram.
Tal dimensão justificou a criação, pelo governo português, de uma Comissão Coordenadora das Evocações do I Centenário
da Primeira Guerra Mundial, de modo a organizar e coordenar as várias comemorações que se realizam ao longo deste ano de 2014. Fazendo parte desta comissão, como não poderia deixar de ser, da Liga dos Combatentes.
Com este desiderato, o Núcleo da
Liga dos Combatentes de Torres Vedras não podia deixar de se
associar a estas comemorações. Assim, e com o lema “Recordar, para que não se repitam os erros”, decidiu organizar com
o apoio da Câmara Municipal de Torres Vedras, a Adega Cooperativa de S. Mamede
da Ventosa e a livraria União, um Ciclo de Palestras subordinado ao tema: A Grande Guerra
(1914-1918).
Este ciclo vai realizar-se ao longo de três anos com os títulos seguintes:
2014 – Causas e origens do conflito;
2015 – O evoluir do conflito;
2016 – a entrada de Portugal na guerra em
França.
A primeira
fase deste ciclo, realizou-se no passado dia 31 de Maio, nos Paços do Concelho
de Torres Vedras tendo sido oradores, o Coronel David Martelo (Causas e origens
do conflito); o Coronel Manuel Mourão (O plano Schlieffen) e o Mestre Venerando de Matos(a vida em Torres Vedras à época), tendo como moderador o Professor Doutor
Guardado da Silva.
Nesta sessão participaram igualmente a Dra. Ana Umbelino vereadora da cultura e o Vice-presidente Dr. Carlos Bernardes da Câmara Municipal de Torres Vedras, bem como o Coronel Faustino Lucas Hilário, secretário-geral da Liga dos Combatentes.
Fig. 04 - Painel de Oradores e Moderador
Nesta sessão participaram igualmente a Dra. Ana Umbelino vereadora da cultura e o Vice-presidente Dr. Carlos Bernardes da Câmara Municipal de Torres Vedras, bem como o Coronel Faustino Lucas Hilário, secretário-geral da Liga dos Combatentes.
A sessão iniciou-se com uma
alocução de boas vindas e agradecimento aos oradores, convidados e assistentes,
pelo Presidente da Comissão Administrativa do Núcleo da Liga dos Combatentes de
Torres Vedras, Tenente-coronel José Pereira. Tendo prosseguido com a
intervenção da Dra. Ana Umbelino que para além dos cumprimentos a todos os
presentes, destacou a iniciativa do Núcleo de organizar estas palestras pela
sua importância e por lembrarem acontecimentos passados e já esquecidos por
muitos, afirmando que o município também
se regozija pela colaboração que o Núcleo vem prestando dado fazer parte, igualmente do Conselho Local
de Acção Social, tendo ainda feito parte do seu Núcleo Executivo.
A expressiva audiência presente contou também com a presença do vice-presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, um representante da Escola de Sargentos do Exército e outras entidades oficiais convidadas.
Na sua intervenção o coronel
David Martelo fez um resumo da situação que se vivia à época do conflito, com
as principais monarquias ligadas por laços familiares. A excepção era a França
que tinha como regime uma República e que não esquecia a derrota frente à
Alemanha em 1870, onde perdeu a Alsácia e a Lorena. Sabia-se que, mais tarde ou
mais cedo, iria procurar a desforra. O foco principal do momento era o
jogo de alianças que iriam desequilibrar, com a Grã-Bretanha, até aí fora dos
jogos continentais, a quebrar o equilíbrio ao estabelecer uma aliança com a
França e com a Rússia.A expressiva audiência presente contou também com a presença do vice-presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, um representante da Escola de Sargentos do Exército e outras entidades oficiais convidadas.
Fig. 05 - Imagem da Assistência à Palestra
Por sua vez, a apresentação
do coronel Manuel Mourão, explicou a finalidade e os objectivos do plano
Schlieffen, concebido por Alfred von Schlieffen, chefe do Estado-Maior alemão entre 1892 e 1906.
Este plano previa resolver a guerra em dois tempos, evitando a luta em duas
frentes em simultâneo. Derrotar o inimigo ocidental - a França - primeiro, para
se ocupar, depois, com o inimigo a oriente - a Rússia -. Para isso
acontecer era necessário um ataque relâmpago à França através da Bélgica, país
neutral, de forma a conseguir vencê-la, antes que a Grã-Bretanha tivesse tempo
de entrar no conflito. Neste pressuposto os alemães contavam que a Rússia
levaria muito tempo a mobilizar as suas forças.
Apesar de ser esse o plano
que levou a Alemanha a entrar em guerra as coisas não aconteceram como estavam
planeadas. A Rússia mobilizou de forma mais rápida do que se previa e a
Grã-Bretanha chegou com tropas ao continente antes de a França ser derrotada.
O orador falou ainda das
ligações das várias casas reais e das movimentações para estabelecer alianças e
manter equilíbrios e, igualmente, do vazio criado pela saída do grande
chanceler alemão Otto von Bismarck.
O mestre Venerando de Matos
falou, essencialmente, da história local. Como se vivia e do que se vivia,
assim como, das consequências para a vila de Torres Vedras com a preparação
para a guerra. Entre outros episódios do quotidiano à época, o orador contou
que uma Brigada do Corpo Expedicionário Português fez os seus treinos nos
arredores da vila trazendo, por isso, muita gente em alvoroço. Fez, ainda, um
resumo das notícias produzidas pelos jornais torrienses da época e o modo como
cada um via o desenrolar do conflito.
Deixou um alerta e um
pedido, reforçado mais tarde por uma das assistentes da palestra. Que numa
outra sessão se fizesse um levantamento de quantos cidadãos do concelho tomaram
parte no conflito e o que se passou com eles.
Devido a questões de agenda
da Dra. Ana Umbelino, coube ao vice-presidente do município Dr. Carlos
Bernardes fazer uma última intervenção, tendo o coronel Faustino Lucas Hilário,
em nome da direcção da Liga dos Combatentes, realizado uma pequena intervenção
de agradecimento pelo evento e procedido ao encerramento da sessão.
Fig. 06 - Coronel Faustino Lucas Hilário no uso da palavra
Como manifestação final, o
presidente do Núcleo ofertou aos palestrantes, um medalhão gravado da Liga dos
Combatentes, alusivo ao evento e uma lembrança oferecida pelo município, tendo
ainda o senhor Luís Santos, presidente da direcção da Adega Cooperativa de São
Mamede da Ventosa, ofertado outras lembranças, seguindo-se um pequeno buffet.
Destaca-se ainda a presença
da livraria União com uma pequena exposição de venda, de livros sobre o tema,
alguns da autoria dos palestrantes.
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Direcção do Núcleo da Liga dos Combatentes de torres Vedras
Bibliografia:
Para a construção
deste artigo foram consultadas as obras abaixo indicadas, agradecendo-se desde
já aos seus autores:
AFONSO,
Aniceto e Carlos de Matos Gomes (2010), “Portugal
e a Grande Guerra 1914-1918”, Verso da História, Lisboa;
CORREIA,
Sílvia (2010), “Políticas da Memória da I
Guerra Mundial em Portugal – 1918-1933, entre a experiência e o mito – Tese de
Doutoramento”, Lisboa, FCSH Julho 2010;
FRAGA, Luís
Alves (1990), “Portugal e a Primeira
Grande Guerra. Os objectivos Políticos e o Esboço da Estratégia Nacional
1914-16”, Universidade Técnica de Lisboa;
FRAGA, Luís Alves (2010), “Do
intervencionismo ao Sidonismo – os dois segmentos da politica de guerra na i
República 1916-1918”, Imprensa da Universidade de Coimbra, Abril de 2010;
LOPES, Carlos
Jorge Alves (2012), “Os portugueses na
grande guerra – uma experiência de combate e de cativeiro – Dissertação de
Mestrado”, Universidade Aberta, Lisboa, Outubro de 2012;
MOTA,
Guilhermina (2006), “Batalha de La Lys:
um relato pessoal”, in Revista Portuguesa de História, pp 77-107, Coimbra;
MARTELO,
David (2013), “Origens da Grande Guerra –
Rumo às trincheiras. Percurso político-militar (1871-1914)”, Edições
Sílabo, Lisboa;
MARTINS, Luís
Almeida (2014), “A guerra para acabar com
a guerra”, in Revista Visão História nº 24, Agosto 2014, PP 10-31, Lisboa.
Webgrafia
Webgrafia
Primeira
Guerra Mundial (2014), http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial;
[1]Expressão Francesa cujo significado é “bela época”. Costuma referir-se ao período
de cultura cosmopolita que começou no fim do
século XIX e que termina com a eclosão da I Grande Guerra em 1914.
[2] Este conflito entre as
potências europeias viria a arrastar países de outros continentes. Para o seu
desfecho final muito contribuiu a entrada dos Estados Unidos da América na
guerra, em Abril de 1918.