“Ó doce e
amado esposo,/ (…) Porque is aventurar ao mar iroso/
Essa vida que
é minha e não é vossa?”
(Luís de
Camões, in “os Lusíadas”, c. IV, 91)
Pague-se a guerra com a paz, porque é
pela paz que o homem, de boa vontade, luta, chamando a si o único interesse de
salvaguardar a espécie humana.
O homem não foi feito para levar a
guerra contra seu semelhante. Não devia estar na sua massa de sangue jamais
pegar em armas para destruir quem com ele devia comer à mesma mesa das mesmas
iguarias, dos mesmos manjares.
Terminado que fora este banquete uma
única luz resplandeceria no horizonte: a luz da concórdia e do melhor
entendimento nunca sob a discórdia que pudesse levar a qualquer tipo de
contenda.
Fugindo de todas as escaramuças e de
todas as desordens, o homem merece que seja tomado como verdadeiro homem,
dentro da melhor aceção da palavra enquanto se opõe aos deuses e aos seres
irracionais. E não como um lobo, “homo homini lupus”.
O homem foi concebido para se entender
mas não num entendimento egoísta ou solipsista, enquanto olha única e
simplesmente para o seu umbigo.
Dizer “homo” é concebê-lo como tendo a
razão a presidir a todos os relacionamentos e a comportar-se com toda a
dignidade.
“Si vis pacem, para bellum”, como dizia
Cícero, traduzível numa tradução bastante livre: “Se não queres ser atacado,
melhor será que prepares a tua própria defesa”.
Mas atenção, esta defesa obedece a uma
capacidade de raciocínio, sabendo levar a água ao seu moinho, sem complicar o
percurso do melhor entendimento.
O mesmo se poderia entender com esta
máxima “quem quiser comover os outros, deve provocar primeiro em si a comoção,
porque as lágrimas são contagiosas”.
Ora, aqui reside também o devido e único
comportamento que assiste ao homem, saber encontrar a compreensão em todas as
situações vitais para não entrar jamais em contenda.
Sabendo que o homem é o único ser à flor
da terra que tem dificuldade em reconhecer a sua própria espécie, daí andar
permanentemente às turras, mas por outro lado o único ser racional cuja
capacidade é única para saber distinguir o trigo do joio, só lhe assiste a
única alternativa: sentar-se frente a frente ao seu possível “inimigo” e tentar
por todos os meios entrar em diálogo construtivo, antes que as palavras se
acabem. E bom será que se pense que as palavras não estarão jamais gastas,
antes terão dentro de si aquele miolo que dá sustentabilidade ao saber
verdadeiramente estar em quaisquer situações que serão benéficas ao homem.
Posto isto e nestes termos, não há
guerra alguma que mereça estar nos bastidores do escondimento para ser levada à
ribalta.
É o menor dos condicionalismos, porque a
condição única que assiste ao homem não é outra senão a de olhos nos olhos, sem
ramelas a encobrir algum cenário que não seja suficientemente captável por quem
tem à sua frente.
Esgrimir argumentos de que há uma terra que já pertenceu a uma
determinada classe humana e por circunstâncias e demasiados reveses acabou por
passar para uma outra parte nada é justificável que se pretenda extorqui-la. Ou
não terá sido extorquida a parte humana que dela era, deveras, merecedora e
que, por inerência, a deverá, de novo, requerer?
Ao homem o que é do homem e de toda a raça
humana. Reivindicar aquilo que pertenceu sempre à outra parte não passa de um
simples roubo que levará a escaramuças sem tréguas, onde a lei do mais forte
tome para si o direito estúpido de a açambarcar.
No homem não há o mais forte ou mais
fraco. Há o verdadeiro homem que se gere por razões e por sentimentos. Fora
desta dupla no seu comportamento não passa de uma ferocidade assoberbada. E que
leva até aos extremos, que é a de lutar pelo simples ato trazer aquilo que
sempre pertenceu à outra parte.
Qualquer distúrbio a que alguém se agarre, não
passa de uma animalidade, de uma irracionalidade cuja justificação é não ter
justificação alguma.
Não há motivos de ordem alguma para o
homem entrar em conflito com o homem. Antes, se motivos houvera o único a
cumprir-se na senda do bom entendimento é o de cada um saber levar a água ao
seu moinho para que este moinho funcione nas melhores condições, o que
significa dizer que só uma levada de água se justifica: a água fresca de uma
mente sã num corpo são cujo cumprimento não é outro senão o de saber dar-se as
mãos para que o moinho de uma só pedra moa o melhor cereal e o produto final
seja uma farinha que mitigue a fome de todo o único ser humano.
“Nosso amor, nosso vão
contentamento,/Quereis que com as velas leva o vento?” (o .c.). Ou ainda:
“Como, por um caminho duvidoso/Vos esquece a afeição tão doce nossa” (o. c.)?
Ora, aqui se tem como não é
compreensível que se guerreie quem quer que seja, sabendo que uma das partes em
litígio não sobreviverá e quem irá ficar a ser prejudicada é “afeição tão doce
nossa”.
Dois exércitos em linha de batalha não
são nem mais nem menos que pretender que uma das partes domine a outra sem
olhar a meios, sabendo se estes meios não têm outro especial sentido que o da
liquidação da parte que se ofereceu com menor capacidade de resposta.
“Porque de mi te vás, ó filho caro,/A
fazer o funéreo enterramento/Onde sejas de peixe mantimento?” (o. c., 90).
Se o “doce e amado esposo” se vai enterrar
nesta aventura, também “ o filho caro” se vai acabar por se perder nesta guerra
que só de estupidez poderá ser classificada.
Descubra-se a paz, porque para qualquer
tipo de guerra não há a menor justificação.
O homem beligerante não foi concebido no
seio materno. Foi-se fazendo à medida que foi chamando a si um pretenso direito
de usurpação de terras que não lhe pertenciam mas que se julga poder
reivindicar.
Magoa qualquer partida, mais ainda
quando essa partida tem por objetivo único o de pegar em armas para liquidar
quem oferece resistência.
Também a própria natureza inerte e sem
sentimentos se condoía quando “De mais perto respondiam (os montes)/ Quase
movidos de alta piedade” (o. c. 92).
Quer-se melhor argumento que o argumento
desta natureza sem sentimentos aparentes e que os transforma em “alta piedade”,
quando se apodera deste triste campo de batalha numa refrega sem vencidos e sem
vencedores, mas com este campo inundado de sangue humano?
Volte-se à busca da paz verdadeiramente
conciliadora, onde a única regra é a do aperto de mão com os olhos bem
reluzentes sem veios de qualquer presença de sangue.
Torres Vedras,1 de maio de 2015
Drº Manuel Ponciano