sexta-feira, 30 de outubro de 2015

PORTUGAL E A GRANDE GUERRA EM 1915




Introdução
Muito se falou e muito se escreveu sobre o conflito que assolou a europa, de 1914 a 1918, cujo 1º Centenário vem sendo celebrado.
Nunca será demais relembrar um conflito que envolveu cerca de setenta milhões de soldados e que causou mais de vinte milhões de mortos, entre civis e militares, provocando a queda de quatro impérios: Alemão, Austro-húngaro, Russo e Otomano. Assinalando a entrada do mundo no século XX. (Gomes, 2010)
Um conflito que todos pensavam ser curto e fulminante arrastou-se por quatro longos, deixando atrás de si um rasto de destruição e de morte. É preciso relembrar para que os povos não o esqueçam.
Nesse sentido, a Liga dos Combantentes, Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã, vem organizando alguns eventos e palestras sobre esta temática.
Este texto procura resumir e dar continuidade à última conferência que se realizou na Lourinhã, em 27 de Junho passado e que reviveu o ano de 1915 e a atitude de Portugal perante o conflito.
O desenrolar do conflito
A Grande Guerra Europeia (1914-1918), vulgarmente conhecida por I Grande Guerra, por oposição ao conflito que voltou a devastar a europa no período de 1939-1945, deflagrou no dia 28 de Julho de 1914, quando o exército Austríaco atacou a Sérvia.
À época, coexistiam na europa um conjunto de alianças entre as várias potências, que dividiam o continente em dois grandes blocos: a Tríplice Aliança constituída entre o Império Alemão, o Império Áustro-Húngaro e o Reino de Itália; e a Entente Cordiale, materializada numa série de acordos entre a Grã-bretanha e a República Francesa a que, mais tarde, se juntou o Império Russo.
Eram objectivos imediados destas alianças prevenir um conflito entre as potências europeias, pela ameaça de retaliação em caso de agressão a um dos estados aliados.
O império Austro-húngaro atacou a Sérvia como vingança pelo assassinato do Arquiduqe Francisco Fernando, príncipe herdeiro ao trono Austro-húngaro a 28 de Junho de 1914, em Sarajevo, por um nacionalista Sérvio, Gavrilo Princip.
Cometeram-se vários erros de cálculo na resposta a este incidente pois, sabia-se da antiga e sólida aliança entre a Sérvia e a Rússia, irmãos eslavos e seguidores da mesma religião - cristãos ortodoxos. Os Austro-húngaros e os seus aliados Alemães não previram, por um lado a rapidez de mobilização russa e, por outro lado, a resistência do exército sérvio.
Daí em diante tudo se desmoronou. A Rússia veio em socorro dos Servios, a Alemanha cujo plano era, primeiro derrotar o inimigo a Oeste, a França e, depois, virar-se para Leste, contra a Rússia, teve que lutar em duas frentes ao mesmo tempo.
Rapidamente a guerra degenerou por toda a europa. Devido à rigidez das alianças as potências europeias viram-se envolvidas num conflito que, apenas deixou de fora os países nórdicos e a Suiça.
Esta Grande Guerra Europeia transformar-se-ia em guerra mundial com o arrastamento dos territórios ultramarinos, detidos pelas potências europeias em África e na Ásia. Mais tarde, em 06 de Abril de 1917, os Estados Unidos da América juntavam-se à Grâ-bretanha e à França, contribuindo, assim, para a derrota alemã.
Portugal e a Grande Guerra
Em 1914 o regime político em Portugal, a República, tinha apenas quatro anos de vigência. Com excepção da França, as grandes potências europeias eram governadas por regimes Monárquicos.
A instabilidade governativa e o não reconhecimento do novo regime, pela maioria das nações europeias, contribuíram para um impasse na decisão de Portugal face ao conflito que alastrava pela europa.
A velha aliança com a Grã-bretanha, que vinha de 1373, fazia com que o prato da balança tombasse para o lado dos britânicos. A maioria dos oficiais das Forças Armadas não queria intervir num conflito na Europa, devido à má preparação das nossas tropas e à falta de armamento adequado ao conflito europeu.
As relações entre Portugal e a Alemanha, à época, eram as normais e não se previa um conflito. No entanto, em Setembro de 1914, o governo da república portuguesa resolveu enviar dois contigentes para reforçar a defesa das colónias africanas.
Para Moçambique partiu um contigente comandado pelo Tenente-coronel Massano d’Amorim e para Angola, partiu outro contigente, comandado pelo Tenente-coronel Alves Roçadas.
Em 5 de Outubro de 1910, coexistiam em Portugal dois exércitos distintos: o Exército Colonial, para actuação exclusiva nas colónias e o Exército Metropolitano, para servir noutros Teatros de Guerra. A República reorganizou as Forças Armadas, introduzindo o conceito de “exército miliciano”, factor que muito desagradou aos oficiais do quadro, grande parte deles com formação feita no tempo da Monarquia.
A reorganização das Forças Armadas de 1911, levada a cabo pela República, no que diz respeito ao Exército Colonial, não só o manteve como reforçou o seu recrutamento a partir de pessoal indígena. Evitava-se a ida de militares da Metrópole para África, poupando nos custos e evitando o descontentamento.
Com o alastrar do conflito na Europa havia o receio de que a guerra chegasse às colónias. A defesa e manutenção do “Império Ultramarino” era, naquela época, talvez, o único ponto que unia todas as forças políticas.
Decidiu-se, então, reforçar o Exército Colonial, com forças da Metrópole. A Alemanha que tinha sido a última potência europeia a criar um Império, em África, desenvolvia os seus esforços de colonização e tinha tropas no Tanganika, hoje Tanzânia (fronteira Norte de Moçambique) e, no Sudoeste Africano - a Damaralândia -, hoje Namíbia (fronteira Sul de Angola).
Apesar de não haver uma declaração de guerra entre Portugal e a Alemanha, os confrontos foram inevitáveis. As primeiras escaramuças dão-se no Sul de Angola “desastre de Naulila”. Resultado, a derrota dos portugueses, o que leva à dissolução da coluna de Alves Roçadas e ao seu embarque para Portugal, no dia 9 de Maio de 1915.
Em Moçambique, as coisas também não correram melhor. Segundo relatos da época, o desembarque das tropas Metropolitanas em Lourenço Marques, foi um espectáculo degradante. Os homens que chegavam para iniciar uma missão mais pareciam um exército derrotado que regressava de um campo de batalha. (Ferreira, 1996)
O fardamento era inadequado para o clima africano, a preparação dos homens insuficiente. As doenças, mais do que o adversário, dizimaram as nossas forças.
A 23 de Janeiro de 1915, dá-se o primeiro golpe militar, após a implantação da República, que ficou conhecido por “golpe das espadas”. Em consequência Manuel de Arriaga, presidente da república, nomeia para primeiro-minitro o General Pimenta de Castro.
Uma das primeiras acções do governo Pimenta de Castro foi mandar regressar as colunas que tinham ido para África, outra acção foi parar a mobilização que estava em curso com vista a uma possível intervenção no Teatro de Guerra Europeu.
Embora não fosse unânime a decisão, as forças políticas dominantes defendiam a entrada de Portugal no conflito em França, para que, depois se pudesse sentar à mesa dos vencedores e defender os seus interesses em África. Sabia-se, que a Grã-bretanha e a Alemanha negociavam secretamente a cedência dos territórios portugueses à Alemanha, como medida compensatória. (Leal, 2010-2011)
Por outro lado, era uma forma do regime republicano conseguir obter o reconhecimento pelas potências europeias.
Em Maio de 1915, o governo de Pimenta de Castro cai e dá-se a inversão política: volta-se à preparação de uma intervenção na Europa e são, de novo, enviadas forças de reforço para África.
Em 09 de Março de 1916 a Alemanha declara guerra a Portugal, depois da apreensão de alguns navios alemães ancorados em portos nacionais. (Telo, 2014)
Começa a preparação do CEP (Corpo Expedicionário Português) que embarcou para França a 17 de Janeiro de 1917.
Portugal entrava, assim, no conflito europeu, com as consequências terríveis que todos viríamos a conhecer e que mais tarde detalharemos.
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Tenente-coronel, José João da Costa Pereira, Presidente da Direcção do Núcleo da Liga dos Combatentes de Torres Vedras e Lourinhã
Drª Teresa Maria Farto Faria de Sousa, Centro de Estudos Históricos da Lourinhã

Bibliografia Consultada
FERREIRA, José Medeiros “O comportamento político dos militares”, Editorial Estampa, Lisboa 1996;
GOMES, Carlos Matos e Aniceto Afonso “Portugal e a Grande Guerra”, Verso da História (Reimpressão), Lisboa, 2010;
TELO, António José “Cronologia Comentada 1915 – Acontecimentos em Portugal”, Academia Militar, Lisboa, 2014;
LEAL, Ernesto Castro “Memórias da Grande Guerra (1914-1918) na Renascença Portuguesa“ in Revista Cogitationes || ISSN 2177-6946 Vol. I, Nº 3, Juiz de Fora (Brasil), dez./2010-mar/2011, pp 4-18.

Notas
(1) os autores escrevem de acordo com a antiga ortografia.
(2) Este artigo foi, originalmente, publicado no Jornal Alvorada, de Lourinhã, Edião de 02 de Outubro de 2015.